quarta-feira, 7 de julho de 2010

Colapso do Lixo



Por Gisele Brito
gisele.brito@folhauniversal.com.br


Sem políticas públicas adequadas, quantidade de resíduos não para de crescer e potencial para economizar R$ 8 bilhões com reciclagem é pouco explorado

Usar a expressão “montanha de lixo” não é exagero. O aterro sanitário de Peruíbe, no litoral de São Paulo, é uma sucessão de trechos de terra e lixo empilhados que impressiona pelo cheiro forte, o chão enlameado e a quantidade quase infinita de fraldas usadas, restos de comida, sacos plásticos, brinquedos, remédios e outros materiais. Foram elementos assim que formaram 57 milhões de toneladas de lixo doméstico ou recolhido das ruas no Brasil apenas no ano passado, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Apesar do volume monstruoso e crescente da produção de lixo no País – em 2007 foram 52,6 milhões de toneladas –, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que tramita no Congresso há 19 anos, continua parada no Senado. O projeto cria responsabilidades compartilhadas entre o poder público, os cidadãos (que terão que destinar seus recicláveis para a coleta seletiva, quando implantada na cidade) e o setor produtivo, que deverá reciclar seus produtos, fazendo a chamada logística reversa. Enquanto isso não acontece, apenas pouco mais da metade (56,8%) dos 50 milhões de toneladas recolhidos seguem para aterros sanitários, locais onde os gases e chorume provenientes da decomposição do material orgânico são tratados. O resto tem como destino aterros sem tratamento ou lixões (veja o caminho percorrido pelo lixo nas páginas 18 e 19).

No final das contas, apenas 2,4% de todo o lixo produzido no País é reciclado, o que gera uma economia entre R$ 1,3 bilhão e R$ 3 bilhões anualmente, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ainda segundo a entidade, se todos os resíduos sólidos urbanos passíveis de reciclagem fossem recuperados, a economia chegaria a R$ 8 bilhões por ano, sem contar a diminuição do impacto sobre o meio ambiente.

Boa parte do volume reciclado é fruto do trabalho das cerca de 800 mil pessoas que vivem daquilo que é jogado pelas ruas das cidades e em lixões, de acordo com o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis. Elas coletam e separam mais de 90% das latinhas de bebidas e outros materiais de pós-consumo. “As pessoas confundem o catador com o lixo, mas a gente faz um trabalho importante”, defende Walison Borges, de 24 anos, que há 8 trabalha na Coopamare, primeira cooperativa a reunir catadores na América Latina. Não é o caso dele, mas muitos dos que trabalham ali viviam na rua e agora, juntos, administram a instituição. “Muita gente foi salva por conta desse trabalho. Dá orgulho saber que contribuímos com o meio ambiente, apesar de muita gente não dar valor”, completa.

Além de prever a criação de uma série de mecanismos de incentivo à não-produção de materiais danosos ao ambiente e à redução de consumo, a PNRS também daria força à reutilização e reciclagem e incluiria os catadores de maneira mais organizada e segura no ciclo. “A cidade de São Paulo gastou em 2009 o equivalente a 58,8% do orçamento da secretaria responsável pela limpeza urbana com a coleta que leva os resíduos para aterros distantes e apenas 0,7% com coleta seletiva. Isso mostra que há uma escolha sendo feita”, aponta Elisabeth Grimberg, especialista em políticas públicas para resíduos sólidos do Instituto Pólis.

A escolha a que ela se refere se repete na maioria das cidades brasileiras. Segundo a Abrelpe, 56,6% dos municípios brasileiros declaram ter algum tipo de iniciativa de coleta seletiva, porém elas se resumem, na maioria dos casos, a disponibilizar pontos de recolhimento. “A sociedade nunca esteve tão sensível em relação ao tratamento adequado dos resíduos. Ela participa, se percebe que existe seriedade no processo”, observa Elisabeth.

O ambiente limpo e sem mau cheiro da central de triagem da Coopamare confirma a avaliação da especialista. Por mês, entre 70 e 80 toneladas de materiais são triados no local. Ao longo dos 26 anos em que atua na capital paulista, a cooperativa ajudou a organizar a coleta nos cerca de 80 condomínios, escolas e pontos comerciais que cedem seus recicláveis à instituição. “Nas centrais ligadas à prefeitura não é feito um processo educativo, então as pessoas misturam as coisas com comida”, conta Maria Dulcinéia Silva, na Coopamare há 11 anos. Em média, cada catador ganha R$ 900 por mês, já descontados os gastos para manter a cooperativa e a contribuição ao INSS.

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