terça-feira, 3 de agosto de 2010

Discussões Urbanas: Por que a coleta seletiva não avança em São Paulo?

Reportagem: Rodrigo Brancatelli / Infografia: Eduardo Asta - O Estado de S. Paulo
Faz três meses que o caminhão de coleta seletiva não passa na prédio de Márcia Bonfim, médica de 46 anos que religiosamente separa o lixo de seu apartamento no Jaçanã, zona norte. Já na casa do aposentado Roberto Otávio de Freitas, no bairro no Casa Verde, o tal caminhão não é visto desde março. Boa parte o papel, plástico, alumínio e vidro que Márcia, Roberto e centenas de outros paulistanos separam para reciclagem diariamente está indo direto para um aterro sanitário em Caieiras, na região metropolitana, contribuindo ainda mais para os já monumentais problemas ambientais de São Paulo.
Essa é a ponta mais visível e crítica de uma situação que já se arrasta há seis gestões. Implementada primeiramente na Vila Madalena em 1989, a coleta seletiva de materiais recicláveis avançou pouco, muito pouco. Hoje, os problemas parecem não ter fim - moradores não separam, os que separam não limpam o material, os caminhões da Prefeitura são poucos ineficazes, as cooperativas não dão nem conta do montante recolhido, não há agência reguladora muito menos um planejamento integrado, o contrato feito com as empresas de lixo sofreu alterações no cronograma...
Para entender melhor a dimensão de tantos entraves, o Estado conversou com oito especialistas do Brasil e de outros países para apontar os gargalos e propor soluções. Da sua casa até as empresas recicladoras, entende o que está errado e o que é possível fazer para, pelo menos, atenuar o problema.
  "Existem três razões básicas para a população participar de programas de coleta seletiva de resíduos sólidos. Primeiro, quando há um incentivo, financeiro ou não, para que as famílias participem. Os catadores de lixo são um exemplo extremo, porque exercitam coleta seletiva por necessidade. Tipicamente, catadores de lixo contribuem mais para a coleta seletiva do que as prefeituras. Mas o ideal, claro, seria transformar cada domicílio em uma pequena unidade de separação de lixo na fonte. Segundo, quando há um incentivo ético. Isso acontece se as famílias percebem, através de campanhas públicas, a importância da reciclagem para o meio ambiente. E por fim, quando há leis com sanções para famílias que não participem desses programas, como acontece em certos países da Europa e Ásia"

Jonas Rabinovitch - Consultor de Desenvolvimento Urbano da Organização das Nações Unidas (ONU)
"Tratar o lixo é extremamente caro, em qualquer lugar do mundo. Não dá para pensar só no hoje, é preciso pensar no futuro. É preciso investir em tecnologia, como em Paris, que usa incineradores para gerar energia a partir do lixo. Nas cidades alemãs, reciclamos cerca de 25% do lixo, só que temos metas fixadas que apontam um índice de 40% daqui a dez anos. Para isso, a cidade precisa ter uma política integrada. A reciclagem precisa ser feita dentro de um processo integrado, de ponta a ponta. Se o trabalho for feito com cooperativas, é preciso dotá-las de caminhões de coleta, que já venham com contêineres separados para lixo orgânico e lixo seco; criar para elas usinas de reciclagem e pensar em todas as formas de aproveitamento desse lixo. Sem uma política integrada, nenhum investimento gera resultado prático para os moradores"

Wolfgang Hummmel - Diretor de Investimentos da Secretaria de Planejamento Urbano de Berlim
"O principal gargalo no sistema de coletas na cidade hoje é a quantidade insuficiente de centrais de triagem, que selecionam o lixo separado pelos habitantes e vendem o material para as empresas. Só há 16 centrais para toda a cidade, as cooperativas não estão dando conta do lixo que chega. As centrais não têm condições de receber todo o lixo selecionado pelos paulistanos. Aí o que acontece, o lixo reciclável que sobra vão parar nos aterros, misturados ao lixo comum. Não existe hoje melhor política social para ajudar a retirar moradores das ruas do que as cooperativas de triagem. A semente existe, o modelo está aí, mas é preciso investir. Não dá para o caminhão de lixo da Sé ir buscar lixo lá no Ibirapuera, depois ir passando em cada central de triagem para ver quem pode receber o lixo. Cada distrito precisa ter sua central, sua política, cada um com sua particularidade."

Rene Ivo - Fundador da Coopere e coordenador do Grupo de Trabalho da Coleta Seletiva Solidária do Centro Gaspar Garcia
"Se já tivéssemos em cada distrito uma central de triagem, seria melhor. Não evoluímos o quanto deveríamos nesse sistema, e essa é uma responsabilidade do poder público. As centrais estão sendo criadas, vão ser criadas o mais rápido possível. A cada dia produzimos mais lixo e as cooperativas não dão conta. Senão conseguimos que as cooperativas cumpram essa finalidade pela ausência de organização delas, podemos ampliar o serviço com a participação de empresas privadas. Chamamos isso de atuação concorrente. O cooperativismo é uma determinação da lei, mas talvez a lei tenha sido inflexível ao colocar a figura da auto-gestão em relação às cooperativas. Não sou contra o cooperativismo, o terceiro setor é essencial. Os nossos cooperados não tem condição, pela sua formação, pela exclusão social. Esse não pode ser o único modelo. Se ele é falho, precisamos de alternativas, e essa alternativa pode vir sim do setor privado, pela sua capacidade gerencial e produtiva. Sabemos que o sistema está com problemas e estamos tentando resolvê-los. Estamos tomando medidas emergenciais."

Sergio Luis Mendonça Alves - Secretário Adjunto e Diretor do Departamento de Limpeza Urbana (Limpurb) e neto de catador
"Nós acolhemos a determinação de um roteiro estabelecido pelo Limpurb, responsável pela limpeza pública de São Paulo, que faz o papel de agência reguladora. Num regime de concessão, onde você não tem o principal, que para mim é uma agência reguladora, a coisa tem que andar devagar mesmo... Nós não gostamos de fazer coleta pegando saquinho preto na rua, gostaríamos de já estar na era dos contêineres. Até dando um passo à frente, fazendo uma coleta diferenciada, até no sentido visual. Mas infelizmente tudo tem um custo. E de onde vem o recurso?"

Luiz Gonzaga Alves Pereira - Presidente da Loga Logística Ambiental, responsável pela coleta de lixo das zonas oeste, norte, centro e parte da leste da cidade

No Link do Jornal O Estado tem os comentários dos leitores, vale a pena ver. 

Prefeituras não incentivam coleta de lixo seletiva adequada

O incentivo das prefeituras e a participação da sociedade para promover a coleta seletiva do lixo beneficiaria catadores de materiais recicláveis, geraria economia aos cofres públicos e reduziria riscos ambientais. A avaliação é parte da conclusão da pesquisa da bióloga Jandira Aureliano de Araújo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Pernambuco.
A bióloga acompanhou durante cerca de um ano a atividade de catadores da comunidade de São José do Coque, em Recife (PE), onde vivem aproximadamente 1,8 mil pessoas. Segundo a pesquisadora, a prática da reciclagem ainda não é suficientemente incentivada no Brasil. Ela acredita que se houvesse o descarte correto do lixo, com a separação do material molhado do seco, o orgânico do inorgânico, e principalmente o papel, o produto revendido pelos catadores teria seu valor comercial aumentado.
"As prefeituras economizariam com o transporte do lixo que sobraria, e a condição ambiental também teria ganhos, porque haveria redução dos casos de leptospirose, em função da proliferação dos roedores, e das enchentes, com o entupimento das galerias", afirma a pesquisadora.
O Brasil, de fato, ainda tem um longo caminho a percorrer no quesito coleta seletiva de lixo. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 2% do lixo produzido no País são de fato reciclados e somente em 8% das cidades brasileiras existe algum tipo de coleta seletiva.
Outro problema enfrentado pelos trabalhadores da área é a falta de estrutura para fazer a triagem do material recolhido. Segundo Jandira, é comum os catadores levarem o que coletam para dentro de suas comunidades, expondo outros moradores a riscos de contaminação. Jandira afirma que algumas prefeituras até oferecem núcleos de triagem, mas os catadores reclamam que, em geral, não contam com condições adequadas e acabam tendo que fazer outras atividades no local, como lavar banheiros e cuidar da limpeza.
"Assim, eles preferem levar para suas comunidades o material e em seguida vender diretamente a depósitos, o que têm o inconveniente de pagar menos pelo material", afirma.
Esta matéria é do portal terra. e publicada no JB.

 

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